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"Perfeita (na teoria)" e a necessidade de explicar o mundo

A minha leitura mais recente foi o livro "Perfeita (na teoria)", escrito por Sophie Gonzales e publicado no Brasil pela Editora Seguinte.

Eu havia me interessado por esse livro na época do seu lançamento, mas fiquei ainda mais curiosa para lê-lo depois de participar do bate-papo com a autora na FLIPOP em 2023. Me lembro da Sophie dizendo o quanto esse livro era importante para ela enquanto pessoa bissexual e o quanto a trajetória da Darcy (a protagonista) tinha sido um processo terapêutico para ela mesma.



Apesar de concordar que esse é o tema central do livro, muitos outros vão aparecendo por ali e que me chamaram bastante a atenção. Um deles, que foi o que acabou orientando toda a minha experiência de leitura, foi a necessidade que muitas vezes temos de nomear tudo para sermos capazes de lidar e compreender o mundo e as pessoas.


Darcy é uma adolescente que oferece conselhos na escola. Através de um armário sem dono, ela recebe cartas anônimas e envia conselhos amorosos via e-mail para as pessoas que pedem a sua ajuda. Ela encontrou nesse negócio uma forma de usar seu "conhecimento" sobre relacionamentos para ajudar outras pessoas, mas o grande ponto é que Darcy é uma adolescente de 17 anos que se educa via vídeos no YouTube de coaches de relacionamento, e estuda temas complexos de forma simplificada para aplicar aos casos que chegam no seu armário.


O livro constrói de forma bem interessante o processo da Darcy em relação à isso, principalmente trabalhando o tema que eu destaquei: a necessidade de Darcy de encaixar as formas de ser de todo mundo em teorias pré-determinadas que explicam seus comportamentos, se sentindo capaz de prever e orientar as ações de outras pessoas, dando-lhe a falsa sensação de ter algum controle sobre o mundo para não ter que lidar com o medo da incerteza e as instabilidades da vida.



A autora traz, em determinado ponto da história, a reflexão sobre o quanto engessamos as pessoas em rótulos específicos e de alguma forma nem sempre damos espaço para que elas sejam elas mesmas e vivam suas experiências. Darcy acaba se sentindo não validada enquanto bissexual por estar em um relacionamento com um homem e a partir dessa crise de validação dela o tema vai sendo desenvolvido. Eu gostei muito da visão e dos apontamentos que a autora trouxe para esse tema, mas o ponto aqui são os outros rótulos que criamos para explicar o comportamento humano, como se fôssemos máquinas previsíveis e controláveis.


A necessidade de controle de Darcy é tão grande que ela é incapaz de se permitir ver o que as pessoas verdadeiramente demonstram à ela, caso não consiga encaixar em uma das muitas teorias que estuda. E, na vida real, quantas vezes não nos pegamos fazendo exatamente a mesma coisa? Quantas vezes não tentamos explicar o comportamento de alguém ou compreender a nós mesmos ou aos outros a partir de visões genéricas que não se aplicam a nenhuma pessoa

em específico?


Enquanto psicóloga, eu acredito na particularidade do ser humano. Acredito que temos características em comum, padrões que se repetem, mas que não podemos definir uma pessoa através de uma ou outra teoria de forma tão pré-definida.

Quando eu estava no Ensino Médio, estudei os estágios do luto, uma teoria bastante famosa que basicamente descreve 5 estágios pelos quais passamos ao vivenciar algum tipo de perda. É uma teoria interessante, desenvolvida a partir de pesquisas, porém estudá-la me fez aprender uma coisa: nada é pré-determinado. O luto de uma pessoa pode até passar pelos estágios apontados na teoria, mas nem todas as pessoas vivenciarão todos eles, ou eles podem se apresentar em uma ordem diferente da teórica ou até se repetir ciclicamente. Pois o ser humano é diverso, assim como sua forma de vivenciar o que passamos.



Darcy aprende isso com sua experiência na história, apesar de não ser de forma tão profunda quanto eu gostaria - mas tudo bem, ela só tem 17 anos. Ela aprende que não precisa saber de tudo, que nem sempre vai conseguir explicar as pessoas, seus comportamentos e a forma como se relacionam através de uma teoria, e que as pessoas são mais complexas do que conseguem dizer em uma simples carta deixada em um armário escolar. Conhecer alguém e se abrir para as pessoas é muito mais do que saber apenas um recorte de quem elas são. Enquanto tentarmos colocar as pessoas nas caixinhas que criamos para conseguirmos nomear e compreender tudo, não estaremos verdadeiramente conhecendo a realidade do ser humano que está à nossa frente.


Esse texto não se propõe a ser uma resenha, análise ou crítica do livro. Nem me considero apta para isso, sinceramente. Também não me proponho a trazer verdades (até por que elas são relativas, assim como as pessoas) ou falar como especialista em coisa alguma. É apenas uma forma de externalizar aquilo que pensei e senti durante essa leitura, e a forma como os temas abordados na literatura - sendo ela clássica, infanto-juvenil ou o que seja - podem (e devem, a meu ver) se relacionar com a vida e as experiências humanas fora das páginas.


105 visualizações4 comentários

4 Comments


Shaira Costa
Shaira Costa
Jun 15

Tem sido interessante acompanhar suas leituras, na rede ao lado você foca na experiência mas aqui eu senti q vc foi além e isso é incrível. Não sei se está nos seus planos falar sobre leituras com mais frequência (e por favor não se sinta pressionada a tal) mas gostei muito e me deixou com vontade de ler.

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Flora
Flora
Jun 25
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eu quero tentar falar aqui de qualquer tema que sentir que tenho algo a falar, sabe? de forma menos planejada e mais sentida mesmo. eu vivo tendo essas reflexões sobre as minhas leituras e nunca sei muito bem como colocá-las para fora, então acho que aqui será um bom caminho! feliz de ter você por aqui 💖

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jennifer.romero011
Jun 15

Eu amei o seu olhar e as suas reflexões a partir da sua experiência de leitura. É muito doido o quanto tentamos colocar as pessoas dentro de caixinhas, como se assim pudéssemos nos proteger de qualquer surpresa. Fazemos isso muito facilmente com signos, como se saber se a pessoa é do signo x,y,z nos desse uma prévia imediata do que esperar dela.

E usamos a mesma “ferramenta” para não nos responsabilizarmos por algo, eu fiz isso ou aquilo mas é pq eu sou do signo tal né??? Pobre de mim hahahaha

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Nanna Sanches
Nanna Sanches
Jun 15

Adorei o formato do post! Recebi esse livro há algum tempo, mas confesso que não me chamou muita a atenção. Quando você começou a ler, suas reações nos stories foram me deixando um pouco mais curiosa, apesar de não ser a vibe que estou no momento.

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